Análise: vitória de Bukele em El Salvador vai incentivar aventuras autoritárias na América Latina

Resultados preliminares apontam que "ditador mais legal do mundo" ganhará reeleição depois de implantar política linha dura na segurança pública e ter sido beneficiado por decisão controversa da Suprema Corte Este conteúdo foi originalmente publicado em Análise: vitória de Bukele em El Salvador vai incentivar aventuras autoritárias na América Latina no site CNN Brasil.

Feb 5, 2024 - 11:45
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Análise: vitória de Bukele em El Salvador vai incentivar aventuras autoritárias na América Latina

A vitória do presidente Nayib Bukele nas eleições de El Salvador vai certamente servir de incentivo para novas aventuras autoritárias na América Latina.

Autointitulado “o ditador mais legal do mundo”, Bukele se declarou reeleito “com mais de 85% dos votos” antes mesmo de todas as urnas terem sido apuradas.

Segundo ele, este seria um “recorde na história democrática do mundo”, com o maior índice percentual da história do país.

A disputa presidencial salvadorenha foi marcada por duas grandes controvérsias.

A primeira foi a decisão da Suprema Corte de beneficiar Bukele e ignorar a Constituição, que proíbe expressamente o instituto da reeleição no país.

Trata-se de um caso explícito de interferência autoritária no Poder Judiciário.

Afinal, essa decisão só foi tomada depois que o Congresso, dominado por seus aliados, simplesmente destituiu os ministros independentes da Suprema Corte, em 2021, substituindo-os por juízes alinhados a Bukele.

A falta de independência do Judiciário e a existência de um Congresso dócil também abriram caminho para a implantação da segunda controvérsia: a política extremamente dura na área de segurança pública, com poderes de exceção para as forças policiais.

Nayib Bukele
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele / Foto: Guillermo Martínez/APHOTOGRAFIA/Getty Images

Essa política derrubou dramaticamente os índices de criminalidade, mas com alto custo em termos de direitos humanos: há denúncias de milhares de presos sem processo legal, sem acesso a advogados e sem comunicação com suas famílias.

A maior sensação de segurança entre a população, no entanto, elevou muito a popularidade de Bukele e lhe rendeu uma fácil reeleição.

Fato que já está sendo notado por vários populistas e extremistas em outras partes da região, levando ao temor de que as políticas de Bukele sejam copiadas.

“Bukele é ‘o cara’ na América Latina”

“Em 2009, o [então presidente dos EUA, Barack] Obama disse que o Lula era ‘o cara’. Lula era o presidente mais popular, que todo mundo queria imitar para tentar ter a sua popularidade. Hoje, ‘o cara’, na América Latina, é o Bukele”, disse à CNN Giancarlo Summa, cientista político, pesquisador na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris e co-fundador do projeto MUDRAL (Multilateralismo e Direita Radical na América Latina).

Segundo Summa, “a política de mão dura contra o crime, ao arrepio das leis e com métodos absolutamente questionáveis como encarceramento em massa, sem processo judicial, de fato fez cair o índice de homicídios”.

“E como a violência é um problema em toda a América Latina, há uma tendência de outros candidatos e outros governos da região tentarem copiar a política à la Bukele”, concluiu.

O especialista em radicalismo diz que “infelizmente Bukele está fazendo proselitismo” e já se observa essa tendência de defesa de seus métodos entre movimentos direitistas no Chile e na Argentina, inclusive por políticos ligados ao presidente argentino Javier Milei.

Presidente de El Salvador, Nayib Bukele / 01/06/2023 REUTERS/Jessica Orellana

Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM, diz que “sem dúvida alguma o ‘formato’ de Bukele já se transformou em ‘modelo’ na América Latina”.

“Como os resultados eleitorais são impressionantes, o ‘modelo’ sem dúvida será seguido. Com todas as consequências inerentes, a começar pelo direito constitucional e pelo respeito aos mínimos direitos humanos”, disse ele.

Para o professor, o caso mais significativo desta “cópia” é o do Equador. “O recém-eleito Presidente Daniel Noboa copiou alguns métodos, mas especialmente o modelo do ‘espetáculo’, usando as mesmas imagens, de homens presos em grandes grupos, sem individualidade, definida pelo crime. Depois, Noboa copiou a ‘solução’: a promessa de construção de enormes presídios, para a transferência do ‘problema’ para um único espaço”, disse ele.

Riscos para o Brasil

Os dois especialistas veem riscos de que tais políticas também tentem ser copiadas no Brasil. No entanto, eles lembram que as realidades entre os dois países são muito diferentes.

A começar pelo tamanho da população.

“Obviamente, é bem mais fácil usar este tipo de política num país menor que o estado de Sergipe”, diz Summa. “Quando tentaram isso no México, foi e continua sendo um fracasso retumbante.”

Trevisan afirma que não falta “vontade (aos políticos) de copiar o modelo no Brasil”.

Perfil no Twitter de Nayib Bukele, presidente de El Salvador
Perfil no Twitter de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, com a bio: O ditador mais legal do mundo” / Reprodução/nayibbukele/Twitter (21.set.2021)

“O problema é que El Salvador tem uma população de 6 milhões, e o Brasil tem 200 milhões. O Brasil já tem a terceira maior população carcerária do mundo. Seria bem complexo a cópia, mas a ‘vontade’ é bem visível”, afirmou o professor.

“O que considero mais forte é a vontade de seguir o formato de desrespeito ao devido processo legal. Este aspecto é muito preocupante”, completou.

Trevisan lembra ainda de um outros aspecto muito problemático com relação aos métodos salvadorenhos: “O juiz sem rosto”.

“Trata-se de uma aberração jurídica: o processado sequer vê quem o julga. O caso de El Salvador tem características muito próprias, mas a cópia está interessando (a vários políticos” pelos ‘efeitos publicitários’”, disse ele.

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