Imigrantes da Ásia Central enfrentam xenofobia na Rússia após ataque em Moscou
Rússia identificou os quatro homens envolvidos no ataque terrorista em casa de shows como sendo do Tajiquistão e desencadeou onda de xenofobia contra trabalhadores imigrantes das ex-repúblicas soviéticas Este conteúdo foi originalmente publicado em Imigrantes da Ásia Central enfrentam xenofobia na Rússia após ataque em Moscou no site CNN Brasil.

Os quatro homens acusados de um ataque terrorista mortal na casa de shows Crocus City, em Moscou, na semana passada, foram rapidamente identificados pelas autoridades russas como sendo do Tajiquistão, uma ex-república soviética na Ásia Central.
Nas horas que se seguiram ao ataque, começaram a surgir vídeos nas redes sociais russas mostrando a polícia detendo e abusando brutalmente dos supostos agressores, com um deles parecendo mostrar um suspeito tendo parte da orelha cortada e posteriormente sendo colocada a força na boca dele. Os homens estavam na Rússia como trabalhadores imigrantes com vistos temporários ou vencidos, disseram as autoridades.
Os russos estão compreensivelmente chocados e tristes com o ataque. Mas nos dias que se seguiram, essa emoção – combinada com os vídeos perturbadores – parece ter desencadeado uma onda de xenofobia de alguns em relação aos trabalhadores imigrantes da Ásia Central em geral.
Na plataforma de mídia social X, a CNN viu postagens que mostravam pessoas procurando táxis, pedindo o cancelamento de suas corridas se o motorista fosse do Tajiquistão. Uma suposta foto de uma conversa dizia: “Se você é do Tajiquistão, cancele minha viagem por favor”.
Uma série de abusos também teria sido direcionada a uma barbearia na cidade de Ivanovo, onde trabalhava um dos supostos agressores. A proprietária da loja disse aos jornalistas russos que o seu telefone tocava “sem parar” com ameaças de morte, e é citada por um jornal diário russo, Moskovsky Komsomolets, como tendo dito: “Estou grávida e não sei o que fazer. Tenho medo de sair de casa”.
Como consequência, o presidente russo, Vladimir Putin, se encontra agora em uma posição cada vez mais delicada no que diz respeito aos trabalhadores imigrantes, que ocupam papéis vitais na força de trabalho russa – especialmente enquanto o país está em guerra.
Talvez desconfiado de uma divisão na sociedade russa, Putin apelou na quarta-feira (27) à Rússia para permanecer unida.
“Nunca devemos esquecer que somos um país multinacional e multirreligioso. Devemos sempre tratar com respeito os nossos irmãos, representantes de outras religiões, como sempre fazemos – muçulmanos, judeus, todos”, disse ele.
“Vai ser um período muito, muito difícil”
Os imigrantes dos estados da Ásia Central da ex-União Soviética – Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguizistão, Turquemenistão e Cazaquistão – têm sido tradicionalmente uma fonte valiosa de mão de obra barata na Rússia.
Geralmente, eles ocupam empregos que muitos russos não consideram fazer, como motoristas de táxi, caminhoneiros ou trabalhadores de supermercados. O dinheiro que enviam sob a forma de remessas tem sido um importante motor de crescimento nos seus países de origem.
Mas muitos agora se sentem ameaçados. Uma respeitada advogada e ativista imigrante, Valentina Chupik, disse à CNN que as ligações de imigrantes na Rússia pedindo assistência jurídica dispararam de 150 por dia antes do ataque para mais de 6 mil no total no sábado (30), e que “esses números estão mudando a cada minuto que passa”.
Chupik, natural do Uzbequistão que agora vive e trabalha em Illinois, nos EUA, dirige uma ONG chamada Tong Jahoni, focada no bem estar dos imigrantes. A sua organização oferece assistência jurídica a imigrantes que procuram ajuda na Rússia, apenas em uma base pro bono. Ela disse à CNN que a polícia está claramente reprimindo os imigrantes, mas acredita que o ataque em Moscou está sendo usado como disfarce, expondo um lado mais sombrio da sociedade.
“A polícia está tentando fingir que está combatendo ativamente o crime étnico e prevenindo ataques terroristas. Na verdade, eles estão roubando imigrantes. Tenho dezenas de queixas sobre imigrantes que foram parados pela polícia e que (a polícia) roubou tudo o que quis”, disse ela.
A Human Rights Watch, no seu relatório mundial anual, afirmou que “a polícia russa continuou a traçar perfis raciais de imigrantes não-eslavos e de minorias étnicas e a submetê-los a verificações de identidade infundadas e a detenções, muitas vezes prolongadas, em condições desumanas. Alguns foram agredidos fisicamente”.
Temur Umerov, especialista em Ásia Central do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim, disse à CNN que a guerra de Moscou na Ucrânia tem sido acompanhada por um rápido crescimento da xenofobia na sociedade russa, especialmente entre pessoas que se consideram nazistas ou neonazistas.
“Isso lhes deu permissão para expressarem o que pensam livremente e não serem fechados ou criticados por outras partes da sociedade porque estão lutando pela Rússia… seja online, seja no real front (na Ucrânia)”, disse ele.
Uma análise da CNN de vários canais russos pró-guerra do Telegram e das suas mensagens na sequência dos ataques de sexta-feira (22) revelou uma clara emergência de xenofobia.
Em um canal chamado GreyZone, que tem meio milhão de seguidores, um usuário postou um comentário dizendo: “Precisamos boicotar o serviço que eles prestam: não coma nos cafés deles, não corte o cabelo com eles, não ande no táxi deles, não compre NADA DELES. Precisamos espalhar isso”.
Um usuário de outro canal, com 200 mil seguidores, sugeriu que não havia espaço para alguém sentir pena dos imigrantes na Rússia. “É importante não esquecer que eles não são vítimas, mas verdadeiros algozes e assassinos do bom povo russo”, escreveu o usuário. “Não há razão para sentir pena deles, eles apenas merecem desprezo e serem imediatamente expulsos de volta para suas casas, para a fossa chamada Tajiquistão”.
Nesse contexto de xenofobia latente, o Ministério das Relações Exteriores do Quirguistão emitiu na segunda-feira um aviso de viagem aos seus cidadãos, dizendo que deveriam se abster de viajar para o território russo “até à remoção de medidas de segurança adicionais e ao regime de controle reforçado de passagem através da fronteira estatal”.
“Como imigrante, será um período muito, muito difícil na Rússia”, disse Umerov, em declarações à CNN a partir da capital uzbeque, Tashkent.
Segundo Umerov, existem cerca de 7 milhões de imigrantes na Rússia, dos quais cerca de 80% são provenientes da Ásia Central.
“Os imigrantes trabalham por salários muito mais baixos do que os russos comuns e estão mais dispostos a trabalhar em condições muito mais difíceis e duras”, disse ele.
Os salários oferecidos pela Rússia e, subsequentemente, as remessas que os imigrantes enviam de volta às suas famílias, servem a dupla função de preencher postos de trabalho essenciais no mercado de trabalho russo e de aumentar o PIB dos países de origem dos imigrantes.
O Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento previu, em setembro de 2023, que o crescimento econômico na Ásia Central atingiria 5,9% em 2024, com as remessas a desempenharem um papel importante. Esperava-se que o Tajiquistão registasse o maior crescimento do PIB na região, atingindo 7,5% em 2023 e 2024, afirma o relatório, graças em parte ao “influxo de remessas da Rússia”.
Umerov observou que desde que Putin lançou a sua invasão em grande escala da Ucrânia, há dois anos, a dependência da economia russa em trabalhadores imigrantes aumentou.
“Os imigrantes são cruciais para vários setores da economia russa. Em várias áreas, é impossível ter o nível de estabilidade que existe sem a força de trabalho dos imigrantes”, disse Umerov. “A Rússia precisa disso crucialmente – sem isso seria simplesmente impossível”.
Uma pesquisa do Instituto de Economia da Academia Russa de Ciências, divulgada pelo jornal Izvestia em dezembro e citada pela Reuters, descobriu que a Rússia provavelmente teria falta de cerca de 4,8 milhões de trabalhadores em 2023, com alguns dos principais setores afetados sendo construção, motoristas e varejo.
A invasão da Ucrânia teve um impacto significativo na mão de obra russa disponível. Milhares de homens russos foram mobilizados para lutar na Ucrânia, onde muitos milhares já foram mortos, dependendo das estimativas. Acredita-se que outras centenas de milhares de pessoas tenham fugido do país em setembro de 2022, depois de Putin ter apelado a uma mobilização parcial.
Desde o ataque à casa de shows Crocus, Putin e os seus conselheiros, incluindo chefes de inteligência internos e estrangeiros, têm procurado levantar a acusação de que a Ucrânia estava de alguma forma envolvida nos ataques, sem apresentar qualquer prova concreta. A Ucrânia e as nações ocidentais foram rápidas em negar essa ideia.
Putin não apontou, no entanto, o dedo culpado para Emomali Rahmon, presidente do Tajiquistão, apesar de todas as evidências sugerirem que os agressores foram radicalizados pelo grupo jihadista Estado Islâmico-K, que é conhecido por ter como alvo recrutas no Tajiquistão.
No domingo, o Kremlin disse que Putin tinha falado com Rahmon e que os serviços especiais na Rússia e no Tajiquistão “estão trabalhando em estreita colaboração no campo da luta contra o terrorismo e esse trabalho será intensificado”.
Umerov observa que Putin está seguindo uma linha tênue. Em um mundo onde o presidente russo tem tão poucos aliados, tendo alienado o Ocidente com a sua guerra contra a Ucrânia, não se pode considerar que ele esteja transformando amigos em inimigos.
“Putin simplesmente não pode admitir que haja problemas nas relações Rússia-Tajiquistão, especialmente neste momento”, disse Umerov. “O Tajiquistão é um dos aliados mais próximos de Putin e, quando a Rússia está tão isolada, não está em posição de escolher com quais países pode manter relações”.
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